29 de dez. de 2007

2007 subiu no telhado

Pensou-se: dormir sem hora para acordar. Fez-se: rolar da cama antes das oito!!!!
Café lindo na mesa.
Um Calor infernal também se adiantou, e o que parecia ser uma manhã de alegria virou tristeza sem nome. Não me perguntem porque o calor tem um efeito tão devastador sobre mim. Não sei. A medicina chinesa tem lá as suas explicações, na análise já fiz as minhas associações .... e nada disto resolveu. Bom mesmo é FRIO, vento, CHUVA, névoa ... luz só daquela que não esquente muito, aposto que no paraíso a Luz não faz a gente sentir calor.
Mas morrer assim por ele também não morro (só quase, quase sempre). Há de serem outros os motivos a me levarem da vida.
Terra!! pensei. Uma virginiana precisa de terra!! E de terra bem molhada, com cheirinho de chuva exalando e refrescando tudo!!! E precisa de beleza! Da simplicidade de margaridas limpinhas com singelo miolo amarelo.
Enxada, pás, vaso abarrotado de pés de margaridas, pedaço de terra implorando por nutrir novas vidas.
E eu doidinha por um recanto verde-fresco-ventarolando.
Três horas depois: o Jardim das Margaridas brotou, ainda sem a grama verde-fresco (que chegará em duas semanas), mas já com uma caminho japonês de seis ripas de madeira. Nele também há uma rede cor de abóbora, pendurada em árvore quase bonsainiana com flores brancas, onde por uma tarde inteira fiquei a me balançar e a balancear o 2007 que subiu no telhado.
Até o Céu se animou e provindenciou ventos e CHUVA no fim do dia. Vai ver ele também estava doidinho por um jardim de margaridas.


(Liliane M. A. Silva)

24 de dez. de 2007

à Lavínia Saad

deslizando em significantes
errando entreletras
nasceu foi para escrever
escriba do andarilhar


(Liliane M. A. Silva)

primeiro haicai

vento passou
jasmim na calçada
poça enfeitada

(Liliane M. A. Silva)

Retrato falado de Jesus

"Sabendo que desejas conhecer quanto vou narrar, existindo nos nossos tempos um homem, o qual vive atualmente de grandes virtudes, chamado Jesus, que pelo povo é inculcado o profeta da verdade, e os seus discípulos dizem que é filho de Deus, Criador do céu e da terra e de todas as coisas que nela se acham e que nela tenham estado; em verdade, Ó César, cada dia se ouvem coisas maravilhosas desse Jesus: ressuscita os mortos, cura os enfermos, em uma só palavra: é um homem de justa estatura e é muito belo no aspecto, e há tanta majestade no rosto, que aqueles que o vêem são forçados a amá-lo ou temê-lo. Tem os cabelos da cor da amêndoa bem madura, são distendidos até as orelhas, e das orelhas até as espáduas, são da cor da terra, porém mais reluzentes.

Tem no meio da fronte uma linha separando os cabelos, na forma em uso nos nazarenos, o seu rosto é cheio, o aspecto é muito sereno, nenhuma ruga ou mancha se vê em sua face, de uma cor moderada; o nariz e a boca são irrepreensíveis.

A barba é espessa, mas semelhante aos cabelos, não muito longa, mas separada pelo meio, seu olhar é muito afetuoso e grave; tem os olhos expressivos e claros, o que surpreende é que resplandecem no seu como os raios do Sol, porém ninguém pode olhar fixo o seu semblante, porque quando resplende, apavora, e quando ameniza, faz chorar; faz-se amar e é alegre com gravidade.

Diz-se que ninguém nunca o viu rir, mãos muito belos; na palestra, contenta muito, mas o faz raramente e, quando dele se aproxima, verifica-se que é muito modesto na presença e na pessoa. É o mais belo homem que se possa imaginar, muito semelhante à sua mãe, a qual é de uma rara beleza, não se tendo, jamais visto uma mulher tão bela, porém se a majestade Tua, ó César, deseja vê-lo, como no aviso passado escreveste, dá-me ordens, que não faltarei em manda-lo o mais depressa possível.

De letras, faz-se admirar de toda cidade de Jerusalém; ele sabe todas as ciências e nunca estudou nada. Ele caminha descalço e sem coisa alguma na cabeça. Muitos se riem, vendo-o assim, porém em sua presença, falando com ele, tremem e admiram.

Dizem que um tal homem nunca fora ouvido por estas partes. Em verdade, segundo me dizem os hebreus, não se ouviram jamais, tais conselhos, de grande doutrina, como ensina este Jesus; muitos judeus o têm como Divino e muitos me querelam, afirmando que é contra a lei de Tua Majestade; eu sou grandemente molestado por estes malignos hebreus.

Diz-se que este Jesus nunca fez mal a quem quer que seja, mas, ao contrário, aqueles que o conhecem e com ele tem praticado, afirmam ter dele recebido grande benefícios e saúde, porém à tua obediência estou prontíssimo, aquilo que Tua Majestade ordenar será cumprido.

Vale, da Majestade Tua, fidelíssimo e obrigadíssimo... Públio Lêntulo, presidente da Judéia.

Líndizione sétima seconda".

(Este documento foi encontrado no arquivo do Duque de Cesadini, em Roma. Essa carta, onde se faz o retrato físico e moral de Jesus, foi mandada de Jerusalém ao Imperador Tibério César, em Roma, ao tempo de Jesus).

(Publicado no Correio Fraterno do ABC Nº 364 de Maio de 2001)

é logo ali



Por onde você vai?
A cidade tem avenidas lindas
Tem pontes colossais
Tem viadutos abismais
Por onde você vai?
As relações têm abraços efusivos
Têm aperto de mãos oficiais
Têm beijinhos coloquiais
Por onde você vai?
O natal tem banquetes à Bashô
Tem iguarias especiais
Tem uísque para nunca mais
Por onde você vai?
Tem amigos clarisses, henriques e joaquins?



Têm crianças wesleys, jennifers e maikes
nomeadas pipocos, 42 e zé pequenos
haicais do que é a vida logo ali.




(Liliane M. A. Silva)

Natal fora do Eixo


Céu azul e sol animado
O varal se enche de cores
Mesmo que o papai noel não chegue
A Árvore de natal já está arrumada.


(Liliane M. A. Silva)

23 de dez. de 2007

Natal






Que nós possamos descobrir que os Sonhos de Paz e Alegria só se sustentarão do que do Amor conseguirmos materializar, conosco e com as outras pessoas.
Um Natal iluminado por muitos abraços.
Um 2008 cheinho de novos projetos e realizações.
Um grande abraço aos amigos já de longa data, um abraço de boas-vindas àqueles que chegam agora.



20 de dez. de 2007

Experimentar Poesia II

manhã de chuva mansa
papéis espalhados e tv desligada
tudo espera o dia acabar

(Liliane M. A. Silva)

19 de dez. de 2007

experimentar poesia I

manhã de mormaço
um passarinho passeia no telhado
pula e canta.

(Liliane M. A. Silva)

7 de dez. de 2007

A Academia também suas poesias.

A Linguagem é sempre descontínua em relação à realidade, não é uma entidade geradora de signficados definitivos. Além disso, o sujeito que a produz é um efeito de linguagem, uma REVERBERAÇÃO, um precipitado na ordem do discurso, do qual não é mestre. Nas palavras de Jacques Lacan, "enquanto é linguagem, nunca há univocidade do símbolo ... a linguagem não é feita para designar coisas ... há um logro estrutural da linguagem humana, neste logro está fundada a verifcação de toda a verdade".

LONGO, Leila. Linguagem e Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.

30 de nov. de 2007

Cama de narcisos

insisto
nao resisto
para quê?
se é tão bom permitir o riso.
já não tão fácil
é sustentar o siso,
deixar cair o inciso.
fugir dos parágrafos
não temer cada letra
traçar grafos
admitir: viver é preciso.
se deleitar com o volátil
deitar em narcisos
e dizer: não resisto
insisto


(Liliane M. A. Silva)

21 de nov. de 2007

A um Inconfidente

Bem sei o que sentiste
Fazer da pena a espada
Fortalecer-se na palavra
Insubordinar-se
Libertar-se

Mas, caro poeta
Melhor não teria sido
Trançar futuro de alvíssaras?

Utópico companheiro
Mil vezes Graças
Ao destino de tão simplória escriba
Tua liberdade te escureceu horizontes
A minha os fará fulgurantes

Ainda hoje
ressoam teus versos,
indeléveis em cada frontispício.
Mas é de tristeza, saudade e solidão
Que repicam os sinos de seus verdejantes campos
Foi só em lágrimas que tua Marília findou

Se carregas as honras do heroísmo
também transportas
a verdade quase não sabida
da tragédia de ter abandonado
as ovelhas, deslumbrante céu, amor mais amado

Meu caro Dirceu!
Deixo a ti as honras e a glória
bordarei eu meu vestido
trançarei pães
dormirei sob estrelas
percorrerei outros heroísmos
acalentarei em meus seios
ternuras inescrutáveis

Você não o ouviu nestas pairagens
mas há um outro de ti
mais zangado
(talvez) mais indignado
mas tanto quanto, amado.
que avisava: "é que o amor é pão feito em casa"
Quisera tu tê-lo encontrado
Ter-se-ia, quem sabe?
Aos rogos de tua Marília capitulado
Sido humilde pedreiro
Acompanhado de tua janela
A São Francisco envelhecer
Assistido a luz se despedir
Com tua querida amanhecer

Ó você
que com um admirável mundo novo
Sonhou antes mesmo do próprio autor.
A ti um pouco de louvor
Um punhado de lamento
Dois tantos de agradecimento.
E só.
Eu
Escolho
o Amor.

(Liliane M. A. Silva)

putz

madrugada insone
desesperança de quem esperou
tristeza de quem confiou
lamento de quem acreditou
vergonha de ser bom?
melhor a serenidade do dever cumprido.
que ladrem os cães
que uivem os chacais
que a tempestade assopre
que escureça a noite.
para quem aposta no sonho
para quem escolhe o amor
tudo isto será arado
se tornará aerado
lembrança triste lá no passado.

(Liliane M. A. Silva)

13 de nov. de 2007

Afinar

O dia correu.
El sol em dia de rei.
Montanha sagrada,
paisagem adorada.
Antiga lavra,
agora é nova.

O dia correu.
Os passos foram refeitos.
Antigo caminho,
agora acertado.
Se despedindo: o sol e eu.

A Lua nasceu.
Cheiro bom de tanto tempo.
Luz amarela escapulindo em vãos.

A noite desceu.
Sons que só reverberam na alma,
transformam o alarido em vazio.
Refazem a noite em antigas madrugadas,
em céu infinitamente estrelado
em sonho infinitamente sonhado.

A madrugada floresceu
Até a manhã chegar
É aqui que vou ficar.
Suspensa entre lavras novas e ouro preto.

Dia del sol, em dia que já foi só de chuva.
É hora de a-finar um momento.
É hora de afinar novo tempo.
Achar a rima
ouvir Alice e amar Abèlard.

(Liliane M. A. Silva)

a-Finado

Dia del sol em dia que já foi só de chuva.
Beira do caminho.
Estrada real.
Passarim ficou escondido,
do rádio que toca funk.
Tanto alarido, tanto ruído.
Só para disfarçar a falta de graça.
Também pode ser
para escapar de tão simples Graça.
É que o dia já vai bonito, calmo, bom.
E quem dá conta de tanto?
É preciso disfarçar que se é feliz.
Gonzaguinha avisou.
A gente cantou.
Mas sei lá se adiantou.
Música que não nasce da alma
Poesia que não escalavra lembranças
Só faz fazer ruído, alarido.
Sair da rima, desafinar.
Ouvir piriguete.

(Liliane M. A. Silva)

11 de nov. de 2007

.

vez em quando fico prisioneira de palavras incomensuráveis.
restam as letras imagináveis.

(Liliane M. A. Silva)

8 de nov. de 2007

sinhazinha

pra pensar sei não.
ficar sinhazinha,
a medir o desvão.
insisto.
apenas pra pensar em vão.


(Liliane M. A. Silva)

31 de out. de 2007

nem estrelas

sem chá

sem chão

sem ar



(Liliane M. A. Silva)

30 de out. de 2007

chá


chão aqui é chapa,

quente.

ar aqui é bafo,
quente.


sem chão e sem ar.
desejando desejar chá,
quente.


(Liliane M. A. Silva)

29 de out. de 2007

o tal meme

bem... sobrou algo de uma característica antiga e (quase) superada: ser aderente ao grupo. então aqui estou, no tal meme:
o livro é A poética do sucídio em Sylvia Plath - de Ana Cecília Carvalho.
Na página 161 tem:


"ela se revelará em "7.The stones", na alusão aos "dez dedos" (que moldam uma bacia para sombras" e ao "vaso reconstruído" que "abriga a elusiva rosa") e na ambiguidade de sua resolução ("estarei tão boa como nova") aludindo a uma estabilidade; ainda que precária, de uma referência subjetiva."



A idéia é:
1. Pegar um livro próximo (PRÓXIMO, não procure);
2. Abrir na página 161;
3. Procurar a 5ª frase completa;
4. Postar essa frase em seu blog;
5. Não escolher a melhor frase nem o melhor livro;
6. Repassar para outros 5 blogs.

Dos que estão na minha lista, vi graça em três para esta brincadeira. Então, os blogs:
Da Mel http://acertandoflechas.blogspot.com/
Do AnGu http://blogdoangu.blogspot.com/
Da Ana: http://soturnalua.blogspot.com/

24 de out. de 2007

Pássaro no papiro



giz no papel,
pássaro no céu.
agouro na alma.

abismo sob os pés,
tudo resolvido.
rodopio do horror.


o corvo.


cheiro de sangue na boca
poeira do fundo nos olhos
a morte na alma.


o que restou
foi um outro desejo.
É que o corvo tinha alma de condor.


(Liliane M. A. Silva)

3 de out. de 2007

oioi


Em tantas madrugadas a letra

trazia o estranho.
Então...

mais letras

muitas músicas

incastos sons

sublime encontro

difícil escolha

estrada longa.

Desejo que permanece,

amor que não desaparece

Então...

o som agora é uma voz,

a esperança vestiu sorrisos,

o susto sacoleja: surpresa!!!!

o amor era o estranho.

Se escandiu em letra,

já vai música.

1 de out. de 2007

Tom

escrever só não é impossível porque é quase.
musicar não tem quase.
acertar a palavra é mais fácil que o tom.
vivem a me dizer: é só melhorar o tom.
só diz isto quem não sabe:
sou desafinada
.

30 de ago. de 2007

Lirear


Lá se vai um tempo

Do tempo só de projetos.

Sonhos envoltos em nuvens,

Não nus, que assim era nada demais.

A palavra tatuou desde o início o ponto de passagem entre o vivido e o a viver.

Mas não resolvia todos os passos.

Foi preciso cada dia

Foi preciso todo dia

Voltar e nascer

Voltar e fazer

Voltar, mesmo sem crer,

E então renascer.

Deixar o vento levar,

A primavera chegar.

Enfim lirear.

Tornear em verbo a beleza,

Tornar a reverberar a beleza

21 de jul. de 2007

NÃO AO AEROPORTO DE CONGONHAS

Construir outro aeroporto não está em nossas mãos, a decisão de insistirmos e cobrarmos do governo está. Falar sobre o assunto, boicotar o aeroporto, exigir das agências outros vôos, etc.
Já passou da hora de eles nos levarem a sério.
Não importa o Partido político...isto ficou claro com o escândalo do PT. Os desvios éticos devem ser imperdoáveis.
Esta é uma discussão que não diz respeito apenas aos escândalos políticos em nosso país ou às tragédias áreas e rodoviárias ou à violência que virou rotina.
Também não importa a área em que circulemos, sempre somos convidados a ceder no que é nosso dever. Bom, só é possível falar do que vivenciamos e por isto recortei dois exemplos do meu trabalho para pensar isto tudo.
Há uma área da Ética que estuda o dever de cada profissão: a Deontologia. Além de ser uma palavra pouco conhecida, o seu significado tem se fragilizado, pois cada vez mais o dever do cidadão é a urgência em manter a família vestida e alimentada (se quisermos manter a discussão neste nível de necessidades). E isto certamente traz alguns viezes na discussão sobre os tênues limites entre certo e errado. E, de fato, a idéia da cama de Procrusto, onde as pessoas devem ser esticadas ou amputadas para se tornarem iguais, não vale à pena.
Mas, vamos aos dois recortes que me ajudaram a ter maior clareza sobre como o cotidiano do trabalho de todos nós pode ter desdobramentos muito mais amplos do que nos parece à primeira vista. Um dia, eu e alguns alunos, discutíamos sobre o processo da análise; a angústia que muitas vezes o paciente atravessa e os recursos que o analista possui para minorar isto. Uma aluna estava preocupada, corretamente, com o fato de o paciente sair da sessão descontente com a "não-resposta" que recebeu por parte do profissional e não voltar, não dar continuidade à análise.
"Ele não deveria sair dali se sentindo mais fortalecido? mais feliz? E nós não precisamos que ele volte para ganharmos o nosso dinheiro?" perguntou a aluna.
Esta questão é interessantíssima. Tem a ver com a função do analista e também com o fato de que todo trabalhador precisa e tem direito ao pagamento justo.
Em tempos de Discurso Capitalista, fugir do desprazer é a mais recorrente das propostas. De que modo o analista pode cumprir com o seu dever (a Deontologia do analista....qual seria? eu ainda penso que é "escovar palavras") e sobreviver em meio a tantas propostas de resolução rápida e indolor daquilo que não tem nome, mas que é tão sofrido aos pacientes?
Nadar contra a corrente. O psicanalista parece estar aí neste lugar.
Não que a análise não possua efeitos rápidos. Mas é que estes não podem ser garantidos a priori. Aliás, nenhum efeito pode. Há uma aposta na palavra como lugar do sujeito. Em Paraty ouvi o Mia Couto dizer: o lugar do escritor é a palavra. Bem..... para a psicanálise não apenas do escritor, mas de todos nós.
Eu sei. Isto parece tão pouco. Insuficiente mesmo. Ouço isto quase toda semana, de meus alunos queridos. Mas são o dizer e o fazer possíveis e honestos, por parte do psicanalista.
E quanto ao pouco.... de pouco não tem nada. Mas isto é uma discussão mais sinuosa e neste momento o que nos interessa é de que modo cada um encontra em seu cotidiano um limite ético.
Então, cumprir o nosso dever junto a cada pessoa que nos procura, e ganhar o dinheiro que nos é devido pelo trabalho realizado, se traduz em sustentar um percurso que parece em alguns momentos muito contraditório com o que é o objetivo do próprio processo. Ceder à vontade do paciente de uma resposta breve e mágica (isto é...SE o analista tivesse esta resposta. ELE NÃO TEM) ou ao nosso próprio desejo de ganho financeiro deste modo é tornar perversa esta relação. A relação transferencial que sustenta todo o processo analítico é uma relação de amor. E "o amor é pão feito em casa" (Leminski), não se sustenta no marketing vazio de alguém que detém um saber capaz de resolver a vida do outro.
Ganhar dinheiro com o amor fácil, tem um nome e acontece nas esquinas. E além de tudo não é lá muito justo e nem correto atrapalhar outros profissionais não é mesmo?
Esta resposta deixou a aluna assustada; a professora também. Fiquei uma semana tomada por isto circulando em meus pensamentos. A seriedade deste lugar de não-saber que o analista ocupa, e o exercício que nos exige estar aí.
Mas o profissional psicanalista não é diferente dos demais, na medida em que ele deve fazer uma escolha pessoal em ser assim ético.
O outro recorte que fiz diz respeito á minha função como Docente. Neste trabalho não me faltam alunos e pessoas que, utilizando da lógica de "cada um responde por si", entendem que o meu papel é dar aula, dar nota, dar presença, dar aprovação; e, se o aluno aprendeu ou não, quer aprender ou não, isto é problema dele.
É pouco verbo para tantas ações.
E nada disto permanece assim gratuito. Não é gratuito para o aluno que paga para aprender e não aprende...se ESTA for a intenção dele ao procurar uma faculdade; e caso não seja, então este é um motivo ainda maior para ele não prosseguir no curso com o aval das Disciplinas que leciono. Não é gratuito para a instituição que em tempo de concorrência tão acirrada perde muuuitos pontos ao não poder contar com a divulgação do boca a boca feita por alunos satisfeitos com a qualidade do Curso que escolheram (e pelo qual pagam, sem dúvida). Não é gratuito para o professor que entende como um compromisso ético incorruptível a formação de um profissional. Não é gratuito para as pessoas que serão atendidas um dia por aqueles que estiveram na faculdade e entederam que o professor tinha aqueles deveres citados no início deste parágrafo frente à mensalidade.
Vocês têm idéia de quantas vezes ouço: "mas eu pago a mensalidade em dia!" como argumento para ganhar algum ponto ou presença na aula?
Outro dia ouvi de um colega: a diferença é que quando o professor me eixigia algo que eu não sabia, eu pensava "preciso estudar mais". E agora quando nós somos exigentes o aluno pensa: vou à coordenação reclamar.
Mas o tema deste post não são as condições do Ensino Superior no Brasil. É a tragédia em Congonhas e o que é possível à população fazer. Há meses a crise que a aviação brasileira atravessa veio à tona. Os controladores fizeram greve, denunciaram. O efeito? foram presos, despedidos. O governo? prometeu verbas para esta área. Li hoje cedo na net que foram cortadas. Geralmente os efeitos de sustentar o nosso trabalho de modo correto são estes. Foi assim com os controladores de vôo e é assim com a maioria que ainda acredita em honestidade neste país.
A população? uma parte assistiu ao noticiário do acidente. Outra foi quem teve de atravessar o desespero de tanto descaso. Agora uma outra parte se soma à primeira. São mais duas centenas de brasileiros que choram a perda de alguém querido em uma situação que poderia ser evitada. Ainda há uma maioria que não passou por isto. Será preciso subverter estas estatísticas para que tomemos como causa exigir não sermos desconsiderados em nossos direitos de cidadãos?
Ontem saiu uma notícia de algumas medidas do governo, mas acho que já vimos isto antes. Promessas de ocasião. Ocasião de eleições e ocasião de tragédias.
Multidões se ajuntam no carnaval.
Multidões se ajuntam nas micaretas.
Uma multidão foi à abertura do PAN.
São eventos interessantes e importantes. O prazer é fundamental.
Mas porque não ouvimos a multidão comentar empolgada sobre ir à manifestações públicas contra o desmatamento, a corrupção, o preconceito, o desmando político?
Seria injusto não registrar que isto de vez em quando acontece. MAS é preciso que se torne tão rotineiro quanto discutir sobre futebol.

Tem uma campanha circulando na net exigindo medidas políticas urgentes e definitivas quanto ao Aeroporto de Congonhas.

http://www.gebh.net/oprimo/

16 de jul. de 2007

Paraty



Foto de JRL

Foto d JRL



Na Flip tinha parati paranós paratodos (ou quase todos) parasempre.
Lugar de tanta poesia que nem na lembrança cabe tudo.
Lugar de palavras mil. histórias mil. mil e umas.
Aqui tem mar. tem som. tem luz. tem riso. tem vontade de infinito tempo para uma infinita alegria. O tempo passa devagar e cada dia parece imperdível, mas dá vontade mesmo é que outros muitos mais estejam pela frente só para sonhar um dia voltar.
A noite chega tão de mansinho que de repente a luz é trêmula e o jogo de sombras faz poesia com a música que se espalha pelas esquinas. É violão, harpa, saxofone, flauta, agogô, tudo isto em um burburinho que se mistura aos sons de gente feliz. Cheiro de comida boa vem de cada janela. Jeito de "fica aqui um pouquinho" escapa de cada alameda.
As flores recobrem os muros. As cores enchem os olhos.
Os barcos lembram que navegar vale a pena. Colar os olhos no horizonte e ir. De lá se pode voltar a compreender a beleza do que ficou para trás. E retornar; depois; se assim for.
O coração dança e canta feliz.
Sotaques se misturam. Palavras não se escondem. Toda meia-verdade bem ali, na vida que te toma e convida a mais um pouco. A outras paraty paranós, parali mesmo ou paraoutros lugares.
Paraty não é uma cidade. É um encontro com os sonhos mais simples e preciosos.



Foto de JRL

30 de jun. de 2007

INFAME... mas ótima!rs

Num ônibus, um padre senta ao lado de um sujeito completamente bêbado, que tenta, com muita dificuldade, ler o jornal. Logo, com voz empastada, o bêbado pergunta ao padre: - O senhor sabe o que é artrite ? Irritado, o pároco respondeu: - É uma doença provocada pela vida pecaminosa e desregrada: mulheres, promiscuidade, farras, excesso do consumo de álcool e outras coisas. O bêbado calou-se e continuou com os olhos fixos no jornal. Alguns minutos depois achando que tinha sido muito duro com o bêbado, o padre tentou amenizar: - Há quanto tempo o senhor está com artrite ? - Eu não tenho isso, não ! Segundo este jornal quem tem é o Papa !!!

(dos comentários de http://blogdomiguelpaiva.blog-se.com.br/blog/conteudo/home.asp?idblog=14149)

29 de jun. de 2007

ó eu que aqui cheguei

com (o) a palavra.
não quero saber.
chego aqui pobre e ignorante
cobra corante,
ondeando entreletras
me desejo pequena
sem eira nem penas.
perder a senha,
ser louca rodopiando.
descerrar cortinas
fazer nevoar.
fazer de conta que invento,
que canto,
que falo.
jeito in próprio de deixar nanar
deixar nadar,
deixar o nada voar,
virar cobrapássaro
desparecer
desaparecer.
renascer
menos Lilith,
mais lua.
deixar para lá
deixar lá
o que não for daqui
guardar só que foi bom
como nem na palavra
(letra que sempre escapa)
é possível.
tornar vivificador
estar na beira
escapar do pulo
deixar cair a morte
deixar-se cair na vida

17 de jun. de 2007

Engendrar revoluções

Ao ler um post da Ana [http://soturnalua.blogspot.com/] sobre o relaxamento gozoso da ministríssima fui tomada por uma questão: que impotência é esta que sentimos frente aos desmandos políticos. E não importa se estes são dos bushs, dos serras ou dos mal tse tungs. Lá, ao ler a Ana, eu pensei que podemos FALAR e fomentar o debate, fazer a conversa sobre estas coisas circular, tornar inadmissível que se façam de desentendidos. Reunir todas as informações possíveis, suscitar a indignação frente à miséria.
Resolvi falar. E aqui vim.
Mas tudo que produzia não era assimm...BOM. E resolvi pedir ajuda aos universitários ...Rs. Um tempo atrás eu descobri um site, o Espaço Acadêmico [
http://www.espacoacademico.com.br/arquivo/aozai.htm]. São uns textos muito legais e pensei que a minha melhor contribuição para suscitar o tal debate era divulgar, por exemplo, o Antonio Ozaí da Silva.
Mas me dei conta de que postar apenas o texto do Antônio também seria ocupar o lugar de eu-não-sei-e-por-isto-deixo-alguém-que-sabe-falar-por-mim. E contra isto também é preciso lutar. Que todos tenham voz porque todos têm o que dizer e devem fazê-lo. Não dizer o que penso com minhas próprias palavras seria também confirmar ao saber científico, e àqueles doutores que o Antônio critica este pedestal de Verdade maior, é algo mais para re-pensar. Seria esquecer de Manoel de Barros que exige: toda palavra deve ser sustentada pela boca que a pronuncia.
Então voltei. Vim falar. Dizer que me preocupa o fato de as pessoas não creditarem a si mesmas autoridade para se manifestarem contra a corrupção. Dizer que é perigoso pensar que a única forma de se mobilizar em torno da transformação social é o ódio. Ontem, ao ler o site da ocupação da usp, vi lá uma carta aberta onde o ódio era convocado como a mola da indignação. Não penso que seja necessário atrelar uma coisa à outra.
É em torno deste sentimento que os neo-nazistas e os próprios nazistas se organizaram. O amor ao grupo pode se fortalecer em muito quando faz aliança com o ódio aos outros. E quanto a isto, qual movimento social pode dizer que escapou? Como é fácil se perder dos ideais mais virtuosos de harmonia social na batalha da revolução.
Em “Mal-estar na Civilização” (1930) e em “Reflexões para tempos de guerra e morte” (1915) Freud avisa que o conflito entre o sujeito e a sociedade é insolúvel. Que a pulsão de morte está também no laço social e que a guerra justifica a manifestação de uma barbaridade que já habita cada um. Mas se a pulsão de morte não se exaure nem por isto a violência precisa constituir a regra dos relacionamentos, há outras possibilidades de resolver os conflitos inerentes ao encontro entre os homens.
Vim dizer que este sentimento de impotência que se alastra precisa ser combatido. E que um recurso para fazê-lo pode ser o de acolher o que cada um tem a dizer.

16 de jun. de 2007

Niemöller/BRASIL/usp/NÓS/leminski

Davi - morte de Sócrates

É preciso divulgar.
São poucos ao longo da história.
Mas não tão poucos.
Nem tão pouco foi o sacrifício de cada um.
Nem tão pouca foi a vitória.
Poucos e pequenos. Somos nós, quando procrustamente sustentamos* a soporífera matrix.


Abélard e Hèloise

"Na primeira noite eles se aproximam e colhem uma flor de nosso jardim.E não dizemos nada.Na segunda noite, já não se escondem :pisam as flores, matam nosso cão,E não dizemos nada.Até que um dia, o mais frágil deles, entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua, e,conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta." (Niemöller)

world press photo

"Lua à vista
brilhavas assim
sobre Auschwitz?".
(leminski)
*referência a Procrusto que resolve promover a justiça social em uma sociedade onde a altura diferente das pessoas era usada como justificativa para a desigualdade. A sua idéia genial foi construir uma cama onde ele esticava ou amputava as pessoas de modo que todas ficassem do "mesmo tamanho".

12 de jun. de 2007

12 de junho de 2007






minuto a minuto

quis
um dia

todo azul
no teu dia


meu querer

quero crer

azulou

teu dia a dia

tudo

que podia

(alice ruiz)

manoelando

me perguntam sobre o lugar,
sobre a função.
respondo com manoel:
se há, é a de escovar.
porque mesmo no osso
pode a morte morrer
e um resto de vida ainda habitar.
mas se nestes meandros ninguém se aventurar
não há, de fato, como alguém retornar. retomar.
garantias? não as há.
esperança. nisto sim, se sustentar.
e neste, bendito, saber apostar.

5 de jun. de 2007

Homotesia

e se querer era poder...
então não queria?
ou pode-se mais do que se quer?
ou o que pode é um e outro esbarrarem no tempo? e aí tudo pode!
é uma tangência ou um atravessamento?
este encontro...fortuito? ou pré-destinado?
homotesia gerada na pulsão? fortuita ou pré-destinada?
(HOMOTETIA NA RETA
O termo homotetia segundo o Novo Dicionário Brasileiro de Melhoramentos, 7ª edição, é também conhecido como homotesia e definido como "relação entre duas séries de pontos, tal que os de cada uma estão dois a dois em linha reta com um centro comum e separados destes por distancias de razão constante".
mas tem centro?
dizem que não.
se não tem centro ...tem homotesia?
vão dizer que não? porque se não tiver como pode o poder e o querer trombarem?
fortuitamente ou pré-destinadamente?
ou mesmo tangenciarem, se não for 0 caso de se atravessarem.
e se tiver? centro, quero dizer.
alguém aí tem o endereço?
será que é lá o LÁ onde todo mundo parece saber o que é?
vai lá saber!!!!
vai ver que é LÁ que o querer e o poder fazem homotesia.
e se querer era poder...
então não queria?
ou pode-se mais do que se quer?
sei lá.

26 de mai. de 2007

Ao Hildo


“O que não sei fazer desmancho em frases.
Eu fiz o nada aparecer.
(Represente que o homem é um poço escuro.
Aqui de cima não se vê nada.
Mas quando se chega ao fundo do poço
já se pode ver o nada)
Perder o nada é um empobrecimento”
Manoel de Barros

17 de abr. de 2007

Releitura - Manoel






Que hei de fazer se de repente a manhã voltar?
Que hei de fazer?
— Dormir, talvez chorar
”.





Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu em Cuiabá (MT) no Beco da Marinha, beira do Rio Cuiabá, em 19 de dezembro de 1916, filho de João Venceslau Barros, capataz com influência naquela região. Mudou-se para Corumbá (MS), onde se fixou de tal forma que chegou a ser considerado corumbaense. Atualmente mora em Campo Grande (MS). É advogado, fazendeiro e poeta.
Tinha um ano de idade quando o pai decidiu fundar fazenda com a família no Pantanal: construir rancho, cercar terras, amansar gado selvagem. Nequinho, como era chamado carinhosamente pelos familiares, cresceu brincando no terreiro em frente à casa, pé no chão, entre os currais e as coisas "desimportantes" que marcariam sua obra para sempre. "Ali o que eu tinha era ver os movimentos, a atrapalhação das formigas, caramujos, lagartixas. Era o apogeu do chão e do pequeno."
Com oito anos foi para o colégio interno em Campo Grande, e depois no Rio de Janeiro. Não gostava de estudar até descobrir os livros do padre Antônio Vieira: "A frase para ele era mais importante que a verdade, mais importante que a sua própria fé. O que importava era a estética, o alcance plástico. Foi quando percebi que o poeta não tem compromisso com a verdade, mas com a verossimilhança." Um bom exemplo disso está num verso de Manoel que afirma que "a quinze metros do arco-íris o sol é cheiroso." E quem pode garantir que não é? "Descobri que servia era pra aquilo: Ter orgasmo com as palavras." Dez anos de internato lhe ensinaram a disciplina e os clássicos a rebeldia da escrita.
Mas o sentido total de liberdade veio com "Une Saison en Enfer" de Arthur Rimbaud (1854-1871), logo que deixou o colégio. Foi quando soube que o poeta podia misturar todos os sentidos. Conheceu pessoas engajadas na política, leu Marx e entrou para a Juventude Comunista. Seu primeiro livro, aos 18 anos, não foi publicado, mas salvou-o da prisão. Havia pichado "Viva o comunismo" numa estátua, e a polícia foi buscá-lo na pensão onde morava. A dona da pensão pediu para não levar o menino, que havia até escrito um livro. O policial pediu para ver, e viu o título: "Nossa Senhora de Minha Escuridão". Deixou o menino e levou a brochura, único exemplar que o poeta perdeu para ganhar a liberdade.
Quando seu líder Luiz Carlos Prestes foi solto, depois de dez anos de prisão, Manoel esperava que ele tomasse uma atitude contra o que os jornais comunistas chamavam de "o governo assassino de Getúlio Vargas." Foi, ansioso, ouvi-lo no Largo do Machado, no Rio. E nunca mais se esqueceu: "Quando escutei o discurso apoiando Getúlio — o mesmo Getúlio que havia entregue sua mulher, Olga Benário, aos nazistas — não agüentei. Sentei na calçada e chorei. Saí andando sem rumo, desconsolado. Rompi definitivamente com o Partido e fui para o Pantanal".
Mas a idéia de lá se fixar e se tornar fazendeiro ainda não havia se consolidado no poeta. Seu pai quis lhe arranjar um cartório, mas ele preferiu passar uns tempos na Bolívia e no Peru, "tomando pinga de milho". De lá foi direto para Nova York, onde morou um ano. Fez curso sobre cinema e sobre pintura no Museu de Arte Moderna. Pintores como Picasso, Chagall, Miró, Van Gogh, Braque reforçavam seu sentido de liberdade. Entendeu então que a arte moderna veio resgatar a diferença, permitindo que "uma árvore não seja mais apenas um retrato fiel da natureza: pode ser fustigada por vendavais ou exuberante como um sorriso de noiva" e percebeu que "os delírios são reais em Guernica, de Picasso". Sua poesia já se alimentava de imagens, de quadros e de filmes. Chaplin o encanta por sua despreocupação com a linearidade. Para Manoel, os poetas da imagem são Federico Fellini, Akira Kurosawa, Luis Buñuel ("no qual as evidências não interessam") e, entre os mais novos, o americano Jim Jarmusch. Até hoje se confessa um "...'vedor' de cinema. Mas numa tela grande, sala escura e gente quieta do meu lado".
Voltando ao Brasil, o advogado Manoel de Barros conheceu a mineira Stella no Rio de Janeiro e se casaram em três meses. No começo do namoro a família dela — mineira — se preocupou com aquele rapaz cabeludo que vivia com um casaco enorme trazido de Nova York e que sempre se esquecia de trazer dinheiro no bolso. Mas, naquela época, Stella já entendia a falta de senso prático do noivo poeta. Por isso, até hoje Manoel a chama de "guia de cego". Stella o desmente: "Ele sempre administrou muito bem o que recebeu." E continuam apaixonados, morando em Campo Grande (MS). Têm três filhos, Pedro, João e Marta (que fez a ilustração da capa da 2a. edição do "Livro das pré-coisas") e sete netos.
Escreveu seu primeiro poema aos 19 anos, mas sua revelação poética ocorreu aos 13 anos de idade quando ainda estudava no Colégio São José dos Irmãos Maristas, no Rio de Janeiro, cidade onde residiu até terminar seu curso de Direito, em 1949. Como já foi dito, mais tarde tornou-se fazendeiro e assumiu de vez o Pantanal.
Seu primeiro livro foi publicado no Rio de Janeiro, há mais de sessenta anos, e se chamou "Poemas concebidos sem pecado". Foi feito artesanalmente por 20 amigos, numa tiragem de 20 exemplares e mais um, que ficou com ele.
Nos anos 80, Millôr Fernandes começou a mostrar ao público, em suas colunas nas revistas Veja e Isto é e no Jornal do Brasil, a poesia de Manoel de Barros. Outros fizeram o mesmo: Fausto Wolff, Antônio Houaiss, entre eles. Os intelectuais iniciaram, através de tanta recomendação, o conhecimento dos poemas que a Editora Civilização Brasileira publicou, em quase a sua totalidade, sob o título de "Gramática expositiva do chão".
Hoje o poeta é reconhecido nacional e internacionalmente como um dos mais originais do século e mais importantes do Brasil. Guimarães Rosa, que fez a maior revolução na prosa brasileira, comparou os textos de Manoel a um "doce de coco". Foi também comparado a São Francisco de Assis pelo filólogo Antonio Houaiss, "na humildade diante das coisas. (...) Sob a aparência surrealista, a poesia de Manoel de Barros é de uma enorme racionalidade. Suas visões, oníricas num primeiro instante, logo se revelam muito reais, sem fugir a um substrato ético muito profundo. Tenho por sua obra a mais alta admiração e muito amor." Segundo o escritor João Antônio, a poesia de Manoel vai além: "Tem a força de um estampido em surdina. Carrega a alegria do choro." Millôr Fernandes afirmou que a obra do poeta é "'única, inaugural, apogeu do chão." E Geraldo Carneiro afirma: "Viva Manoel violer d'amores violador da última flor do Lácio inculta e bela. Desde Guimarães Rosa a nossa língua não se submete a tamanha instabilidade semântica". Manoel, o tímido Nequinho, se diz encabulado com os elogios que "agradam seu coração".
O poeta foi agraciado com o “Prêmio Orlando Dantas” em 1960, conferido pela Academia Brasileira de Letras ao livro “Compêndio para uso dos pássaros”. Em 1969 recebeu o Prêmio da Fundação Cultural do Distrito Federal pela obra “Gramática expositiva do chão” e, em 1997, o "Livro sobre nada” recebeu o Prêmio Nestlé, de âmbito nacional. Em 1998, recebeu o Prêmio Cecília Meireles (literatura/poesia), concedido pelo Ministério da Cultura.
Numa entrevista concedida a José Castello, do jornal "O Estado de São Paulo", em agosto de 1996, ao ser perguntado sobre qual sua rotina de poeta, respondeu:
"Exploro os mistérios irracionais dentro de uma toca que chamo 'lugar de ser inútil'. Exploro há 60 anos esses mistérios. Descubro memórias fósseis. Osso de urubu, etc. Faço escavações. Entro às 7 horas, saio ao meio-dia. Anoto coisas em pequenos cadernos de rascunho. Arrumo versos, frases, desenho bonecos. Leio a Bíblia, dicionários, às vezes percorro séculos para descobrir o primeiro esgar de uma palavra. E gosto de ouvir e ler "Vozes da Origem". Gosto de coisas que começam assim: "Antigamente, o tatu era gente e namorou a mulher de outro homem". Está no livro "Vozes da Origem", da antropóloga Betty Midlin. Essas leituras me ajudam a explorar os mistérios irracionais. Não uso computador para escrever. Sou metido. Sempre acho que na ponta de meu lápis tem um nascimento."
Diz que o anonimato foi "por minha culpa mesmo. Sou muito orgulhoso, nunca procurei ninguém, nem freqüentei rodas, nem mandei um bilhete. Uma vez pedi emprego a Carlos Drummond de Andrade no Ministério da Educação e ele anotou o meu nome. Estou esperando até hoje", conta. Costuma passar dois meses por ano no Rio de Janeiro, ocasião em que vai ao cinema, revê amigos, lê e escreve livros.
Não perdeu o orgulho, mas a timidez parece cada vez mais diluída. Ri de si mesmo e das glórias que não teve. "Aliás, não tenho mais nada, dei tudo para os filhos. Não sei guiar carro, vivo de mesada, sou um dependente", fala. Os rios começam a dormir pela orla, vaga-lumes driblam a treva. Meu olho ganhou dejetos, vou nascendo do meu vazio, só narro meus nascimentos."
O diretor Pedro Cezar filma "Só dez por cento é mentira", um documentário sobre a vida do poeta que deverá ser exibido em abril de 2007. O título do filme refere-se a uma frase de Manoel de Barros: "Noventa por cento do que escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira".


Obras

1937 — Poemas concebidos sem pecado
1942 — Face imóvel
1956 — Poesias
1960 — Compêndio para uso dos pássaros
1966 — Gramática expositiva do chão

1974 — Matéria de poesia
1982 — Arranjos para assobio

1985 — Livro de pré-coisas (Ilustração da capa: Martha Barros)
1989 — O guardador das águas
1990 — Poesia quase toda
1991 — Concerto a céu aberto para solos de aves
1993 — O livro das ignorãças
1996 — Livro sobre nada (Ilustrações de Wega Nery)
1998 — Retrato do artista quando coisa (Ilustrações de Millôr Fernandes)
1999 — Exercícios de ser criança
2000 — Ensaios fotográficos
2001 — O fazedor de amanhecer
2001 — Poeminhas pescados numa fala de João
2001 — Tratado geral das grandezas do ínfimo (Ilustrações de Martha Barros)
2003 — Memórias inventadas - A infância (Ilustrações de Martha Barros)
2003 — Cantigas para um passarinho à toa
2004 — Poemas rupestres (Ilustrações de Martha Barros)

Os dados acima foram obtidos em livros do autor, no livro "Inventário das Sombras", de José Castello, no site da Fundação Manoel de Barros, na revista "Veja", edição de 05-01-94, artigo de Geraldo Mayrink, e em outros sites da Internet.



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30 de mar. de 2007

Freud

A psicanálise costuma assustar alguns. Apavorar a maioria. Seduzir uns poucos. O que a torna ainda mais sedutora. Mas entende-se que textos como o Totem Tabu (1914) sejam indigestos a alguns e afinal "a ignorância não gera dúvidas" mesmo. E como eu aposto é no saber que não se sabe e na vontade da maioria a continuar a não sabê-lo.... eu entendo que elas se recusem a não cometer o pecado da errância por mares dantes nunca navegados. Um tanto concedente da minha parte. kkkkkk... eu me diria isto. já o disse, por sinal. Elas não precisam da minha indulgência. Elas precisam da própria. Elas e eu, certamente. Porque também eu estou acá, com a minha listinha da felicidade. Uma linda lista em bordados de linha bem verdinha em pano bem branquinho. Há dois modos, diz Lacan, de sustentar o gozo: pelo sintoma ou pelo sinthome. À caminho do segundo vamos nós!!!!!!!!!!!!!!! e mais importante que a psicanálise ou qq outra teoria é a Vida. nela a gente se encontra. desencontra. levanta e parte. para outro ponto (todo ponto é ponto de partida. [Lacan]). Amar é preciso, e quanto mais amor...vc sabe, mais riso. (hummm..isto foi bem pueril heim!! kkkkkkk )
A lei apenas proíbe os homens de fazer aquilo a que seus instintos os inclinam; o que a própria natureza proíbe e pune, seria supérfluo para a lei proibir e punir. Por conseguinte, podemos sempre com segurança pressupor que os crimes proibidos pela lei são crimes que muitos homens têm uma propensão natural a cometer. Se não existisse tal propensão, não haveriam tais crimes e se esses crimes não fossem cometidos, que necessidade haveria de proíbi-los? Desse modo, em vez de presumir da proibição legal do incesto que existe uma aversão natural a ele, deveríamos antes pressupor haver um instinto natural em seu favor e que se a lei o reprime, como reprime outros instintos naturais, assim o faz porque os homens civilizados chegaram à conclusão de que a satisfação desses instintos naturais é prejudicial aos interesses gerais da sociedade.’ (FRAZER, 1910, 4, 97 e seg in FREUD, 1914. p.99)

22 de mar. de 2007

escorregão das verdadezinhas






DOGVILLE: A CIDADE DO CÃO
Filipe Pereirinha


Sobre este filme, o último de Lars Von Trier, tem sido dito e escrito um pouco de tudo. No essencial, as críticas tendem a aproximar-se de dois extremos: o amor incondicional ou o ódio sem reservas. Há aqueles que elogiam o arrojo formal que passa por uma aglutinação de géneros (teatro, literatura, cinema) e há, igualmente, aqueles que consideram que tudo não passa de um embuste. Seja como for, e sem entrar na polémica, uma coisa é certa: o filme está aí e não nos deixa indiferentes

[1].
Pelo menos em três aspectos, este filme não é o que parece. Ele parece ser, antes de mais, um filme sobre a América dos anos trinta (a época da grande depressão económica), mas é, em vez disso, um filme sobre a nossa época, isto é, sobre o tempo em que a grande depressão já não é apenas económica, mas ameaça alastrar a toda a nossa vida (o que levou alguns a dizer que esta é a doença do século XXI). O filme retrata-nos sob a forma de uma população em que o desejo dorme e o gozo da depressão é o que comanda a nossa pequena existência.
Além disso, ele parece constituir um retorno às grandes parábolas mítico-religiosas fundadoras da civilização ocidental, mas, em vez disso, ele é uma paródia (uma subversão) dessas parábolas e uma alegoria do nosso modo de vida actual. É por isso que, exemplificando, Moisés já não é o que traz as tábuas da lei do monte Sinai, mas o nome de um cão (Moses) que assinala a chegada da des-graça (Graça) àquele lugarejo das montanhas rochosas onde se passa toda a acção do filme.
[2]
Finalmente, ele parece ter como protagonistas a Luz da razão (Tom Edison) e a Graça salvadora (Grace), mas, na verdade, o real protagonista deste filme é Moses, o cão de Dogville. É ele que antecede e anuncia a vinda da Graça (Grace) e o que sucede à extinção da luz (Tom Edison). Anunciado desde o título (Dog-ville), ele marca, por assim dizer, a cadência deste filme. No final, quando Moses, o único que sobrevive à matança e ao extermínio, ganha finalmente corpo (pois até aí ele permanecera invisível, apesar de ser nomeado e de se ouvir o seu latido), o espectador não pode deixar de se aperceber de que aquilo que nos ladra e nos arreganha os dentes é a verdade finalmente desvelada: o cão pulsional (ou o gozo) que acorda e se mostra quando a civilização, e tudo o que dela faz parte, são virados do avesso.
Há um momento, já perto do final, em que o pai de Grace (de quem ela fugira, vindo cair e entregar-se nas mãos daquele “mundo cão”, que a explorou até ao abjecto) lhe propõe, como forma de castigar e assustar o povo de Dogville, que se mate um cão. Trata-se claramente de uma paródia do famigerado sacrifício que o Deus do Antigo Testamento exige a Abraão, como prova suprema de amor; isto é, que sacrifique o seu bem mais precioso, matando o seu único filho. O que parece estar fundamentalmente em causa neste episódio bíblico, para além do dramatismo angustiante da situação, que alguns filósofos não deixaram de comentar (por exemplo Kiekegaard, aliás compatriota de Lars Von Trier), é a instauração da lei enquanto simbólica. Na verdade, quando se prepara, obedecendo cegamente à voz de um deus obscuro (à maneira dos antigos deuses) para matar o seu próprio filho, um anjo vem deter-lhe o gesto, mostrando-lhe, em troca, o animal (um carneiro) que será sacrificado no seu lugar. De ora em diante, este Deus já não exige mais o sacrifício real de vidas humanas, mas antes um sacrifício simbólico por amor e em nome-do-pai.
Porém, esta tentativa de recobrir o real pelo simbólico deixa restos. A começar pelo próprio texto bíblico, onde muitos episódios (parodiados igualmente neste filme) parecem denotar mais o gozo real da vingança de um deus que ainda não aprendeu a perdoar do que a lei simbólica do pai. É um pai vingador deste tipo (o chefe de um bando de gansters, versão moderna da horda primitiva de que falava Freud) que, no filme, diz “mata-se um cão” (dog). Não se trata, por isso, apenas de uma metáfora (no sentido em que se pouparia toda uma população, substituindo-lhe o sacrifício de um animal, à maneira do episódio bíblico), mas antes de algo mais real, perturbador e simultaneamente mais ambíguo: é que, na verdade, o “cão” a que se alude não é apenas o animal, mas pode ser qualquer uma daquelas personagens que acolheram Grace, quando esta fugia do pai para vir encontrar o pior. Na época do Outro que não existe (Lacan) e em que o lugar tradicionalmente ocupado por Deus (God) ficou vazio, o que vem no seu lugar (eis o que o filme mostra por meio de uma torção topólogica) é o Cão (Dog), o avesso de Deus. Como este, o cão de Dogville é omnipresente, mesmo se permanece invisível a maior parte do tempo.
É o cão que ladra quando Grace chega à sua cidade: Dog-ville. É um “mundo cão” que a acolhe Grace e lhe faz pagar caro este acolhimento, impondo-lhe literalmente uma “vida de cão”. A tudo isso, ela perece responder com amor e abnegação. Tal como responderam as “mulheres-vítima” de filmes anteriores do autor (por exemplo, Breaking the Waves e Dancer in the Dark). Todas estas mulheres parecem ter um percurso e uma função crística: deixando-se explorar por amor, elas realizam uma espécie de via sacra até…à redenção.
Só que, em vez da cruz redentora, o que os “cães” de Dogville impõem à Graça (literalmente: aquilo que lhes foi dado de graça) é uma “coleira de cão”
[3]. E é talvez aí que começa a viragem. Na verdade, para ser franco, esta “viragem” já está indiciada desde o princípio, quando Grace aparece a desculpar-se pelo facto de ter roubado um “osso” ao cão. Há aí um indício claro do que vai revelar-se mais tarde quando Grace, mostrando os dentes, como fez outrora Medeia[4], mostrar que também tem um “osso” canino. É no momento crucial em que o pai (revelando-se, finalmente, menos assustador do que seria suposto, condescendente até) lhe propõe que se mate um cão em vez de todos os “cães”. Grace, servindo-se embora de dois significantes paternos (a arrogância e o poder), vai muito para além daquilo que o pai lhe propõe e decide tomar nas suas próprias mãos a execução de Tom Edison, fazendo-o morrer “como um cão”[5]. É nesta medida que Grace nos revela uma outra faceta das “mulheres” de Lars Von Trier, menos óbvia em filmes anteriores. Mudando de uma posição de “vítima” para uma posição de “carrasco” e “justiceiro, ela mostra que, sob a aparência do amor ou do poder, o que se esconde, afinal, são diferentes posições de gozo.
Não deixei de pensar, ao ver uma das últimas imagens do filme (um cão que ladra e arreganha os dentes), no lugar onde os “cínicos” (que se auto-denominavam “cães”) costumavam ensinar. Era o lugar do “Cão ágil”. O que sobrevive a todas as personagens do filme, nomeadamente àquele filósofo e escritor falhado
[6] (Tom Edison), não é, afinal o “cinismo” do próprio realizador ao propor-nos este objecto estranho[7]? Resta acrescentar que este filme faz parte de uma trilogia “americana”. Veremos, então, se se trata simplesmente de uma atitude perversa (como alguns têm sugerido a propósito deste e de outros filmes de Lars Von Trier) ou de uma posição ética. Aliás, na origem, o “cinismo” grego era, antes de mais, uma posição ética.








[1] Como reconhecia acertadamente João Peneda no seu oportuno e inteligente texto sobre o filme (http://usuarios.lycos.es/acfportugal/acfportugal).
[2] Curiosamente, talvez para mostrar que aquela América é uma outra forma de dizer “aldeia global”, nenhuma cena é gravada na América, mas antes na Suécia.
[3] Uma das coisas que Nicole Kidman (Grace) parece não ter suportado muito bem.
[4] Da filmografia de Lars Von Trier consta precisamente este título (1988).
[5] Tal como se lê no final do “Processo “ de Kafka: “Morreu como um cão”. É mais uma paródia.
[6] Com que, de alguma forma, Lars Von Trier se identifica, ao dizer, numa entrevista, que gostaria no fundo de ser como Grace, mas era como Tom.
[7] Strange é uma das palavras mais usadas por Nicole Kidman durante as filmagens.

21 de mar. de 2007

... E Lacan


Esse (eu), com efeito, que deve advir lá onde isso estava, e que a análise nos ensina a avaliar, não é outra coisa senão aquilo cuja raiz já temos nesse (eu) que se interroga sobre o que quer. Ele não é apenas interrogado, mas, quando progride em sua experiência, coloca a si mesmo essa questão, e a coloca precisamente no lugar dos imperativos frequentemente estranhos, paradoxais, cruéis que lhe são propostos por sua experiência mórbida. (LACAN, 1959/1997, p. 16)
Recurso gráfico utilizado no texto original para dizer do eu (je) e distingui-lo do eu (moi). Tal qual Lacan faz em O seminário - livro 2 de 1954.



O passo dado pela psicanálise, seguramente, foi o de fazer-nos afirmar que o sujeito não é unívoco (...) o sujeito é posto diante desse véu que se exprime pelo ou não penso, ou não sou. Ali onde penso não me reconheço, não sou – é o inconsciente. Ali onde sou, é mais do que evidente que me perco. (LACAN, 1970, p. 96)


fracassará toda intervenção que se inspirar numa reconstituição pré-fabricada, forjada a partir de nossa idéia sobre o desenvolvimento normal do indivíduo, e visando à sua normalização - eis o que faltou a ele, eis o que deve aprender a suportar de frustração, por exemplo (LACAN, 1954, p. 61).

Querido Descartes



DESCARTES, R.(1641/1999, p. 258): “mas eu me convenci de que nada existia no mundo, que não havia céu algum, terra alguma, espíritos alguns, nem corpos alguns; logo, não me convenci também de que eu não existia? Com certeza, não; sem dúvida eu existia (...) de maneira que, depois de haver pensado bastante nisto e analisado cuidadosamente todas as coisas, se faz necessário concluir e ter por inalterável que esta proposição, eu sou, eu existo, é obrigatoriamente verdadeira todas as vezes que a enuncio ou que a concebo em meu espírito”.




15 de mar. de 2007

Plagiar...pode?

algumas vezes é o melhor a fazer. sem pudores.mas com honestidade. e aí nem é plágio, é citação literal.

: )

"Texto, que não deve ser do Veríssimo mas é divertido...

O USO DE DROGAS

(Depoimento emocionado de Luiz Fernando Veríssimo sobre sua experiência com as drogas).


Tudo começou quando eu tinha uns 14 anos e um amigo chegou com aquele papo de experimenta, depois quando você quiser é só parar... e eu fui na dele. Primeiro ele me ofereceu coisa leve, disse que era de "raiz", da terra, que não fazia mal, e me deu um inofensivo

disco do Chitãozinho e Xororó e em seguida um do Leandro e Leonardo. Achei legal, uma coisa bem brasileira.

Mas a parada foi ficando mais pesada, o consumo cada vez mais freqüente, comecei a chamar todo mundo de "amigo" e acabei comprando pela primeira vez.

Lembro que cheguei na loja e pedi:

- Me dá um CD do Zezé de Camargo e Luciano.


Era o princípio de tudo! Logo resolvi experimentar algo diferente e ele

me ofereceu um CD de Axé. Ele dizia que era para relaxar; sabe, coisa

leve... Banda Eva, Cheiro de Amor, Netinho, etc. Com o tempo, meu amigo

foi me oferecendo coisas piores... o Tchan, Companhia do Pagode e muito

mais.

Após o uso contínuo, eu já não queria saber de coisas leves, eu queria

algo mais pesado, mais desafiador, que me fizesse mexer os quadris como

eu nunca havia mexido antes. Então, meu amigo me deu o que eu queria, um CD do Harmonia do Samba. Minha bunda passou a ser o centro da minha

vida, razão do meu existir. Pensava só nessa parte do corpo, respirava

por ela, vivia por ela!

Mas, depois de muito tempo de consumo, a droga perde efeito, e você começa a querer cada vez mais, mais, mais... Comecei a freqüentar o submundo e correr atrás das paradas. Foi a partir daí que começou a

minha decadência. Fui ao show e ao encontro dos grupos Karametade e Só Pra Contrariar, e até comprei a Caras que tinha o Rodriguinho na capa.

Quando dei por mim, já estava com o cabelo pintado de loiro, minha mão tinha crescido muito em função do pandeiro. Meus polegares já não se mexiam por eu passar o tempo todo fazendo sinais de positivo. Não deu outra entrei para um grupo de pagode. Enquanto vários outros viciados cantavam uma música que não dizia nada, eu e mais outros 12 infelizes dançávamos alguns passinhos ensaiados, sorríamos e fazíamos sinais combinados.

Lembro-me de um dia quando entrei nas lojas Americanas e pedi a Coletânea "As melhores do Molejo". Foi terrível! Eu já não pensava mais!!! Meu senso crítico havia sido dissolvido pelas rimas miseráveis e letras pouco arrojadas. Meu cérebro estava travado, não pensava em mais nada.

Mas a fase negra ainda estava por vir. Cheguei ao fundo do poço, ao limiar da condição humana, quando comecei a escutar popozudas, bondes, tigres, MC Serginho, Lacraias, motinhas e tapinhas.

Comecei a ter delírio e a dizer coisas sem sentido e quando saía à noite para as festas, pedia tapas na cara e fazia gestos obscenos. Fui cercado por outros drogados, usuários das drogas mais estranhas que queriam me mostrar o caminho das pedras... Minha fraqueza era tanta que estive próximo de sucumbir aos radicais e ser dominado pela droga mais poderosa do mercado: Ki-Kokolexo.

Hoje estou internado em uma clínica. Meus verdadeiros amigos fizeram a única coisa que poderiam ter feito por mim. Meu tratamento está sendo muito duro doses cavalares de MPB, Bossa-Nova, Rock Progressivo e Blues.

Mas o médico falou que eu talvez tenha de recorrer ao Jazz, e até mesmo a Mozart, Beethoven e Bach.


Queria aproveitar a oportunidade e aconselhar as pessoas a não se

entregarem a esse tipo de droga. Os traficantes só pensam no dinheiro.

Eles não se preocupam com a sua saúde, por isso tapam a visão para as coisas boas e te oferecem drogas. Se você não reagir, vai acabar drogado alienado, inculto, manobrável, consumível, descartável, distante.

Vai perder as referências e definhar mentalmente. Em vez de encher a

cabeça com porcaria, pratique esportes e, na dúvida, se não puder distinguir o que é droga ou não, faça o seguinte:


-Não ligue a TV no domingo à tarde;

-Não entre em carros com adesivos "Fui.....";

-Se te oferecerem um CD, procure saber se o indivíduo foi ao programa da

Hebe e ou ao Domingo Legal do Gugu; Mulheres gritando histericamente são outro indício;

-Não compre um CD que tenha mais de 6 pessoas na capa; (essa é boa!)

-Não vá a shows em que os suspeitos façam passos ensaiados;

-Não compre nenhum CD que tenha vendido mais de um milhão de cópias no Brasil, e...

-Não escute nada em que o autor não consiga uma concordância verbal

mínima.


Diga não às drogas!

A vida é bela! Eu sei que você consegue!"